Giancarlo Polesello - ortopedista especialista em quadril

Bursite Trocantérica

As conhecidas “bursites” que incomodam tanta gente, principalmente mulheres na faixa etária dos 40 aos 60 anos tem mudado significativamente com relação ao seu entendimento.

Bursas

Figura 1 – Clique para ampliar

Hoje em dia sabe-se que uma simples “bursite” não existe. Na verdade uma bursa, e no nosso corpo temos muitas, é nada mais do que uma espécie de almofada entre músculos e ossos, ou entre tendões e ossos que funcionam como amortecedores de impacto entre as diferentes estruturas (Figura 1). Quando este “amortecedor” chamado bursa inflama, damos o nome de “bursite”.
No caso das bursas no quadril, existem inúmeras e que servem para inúmeros amortecimentos. A bursa que mais inflama na região do quadril é a que se situa na região trocantérica, ou seja, entre o trocânter maior do fêmur e a banda ílio-tibial e o tendão do músculo glúteo médio. Por isso ocorrem dores nesta região, que impedem muitas vezes a atividade física diária e menos frequentemente, são incapacitantes.

 

 

Pressão exagerada entre a banda ílio-tibial e o trocânter podem provocar inflamação

Figura 2 – Clique para ampliar

Como disse anteriormente, uma “bursite” pura e simples não existe. A explicação para isso é que o amortecedor não inflama sem algum motivo forte. Isso somente tornou-se óbvio depois do aprendizado na ressonância magnética, onde hoje em dia se sabe que em algumas situações de pressão exagerada entre a banda ílio-tibial e o trocânter podem provocar inflamação (Figura 2). Além disso, lesões tendinosas podem provocar inflamação da bursa trocantérica.
Cabe ao profissional médico estabelecer o diagnóstico, apontando a causa da “bursite” além de eliminar o(s) fator(es) que a causam, pois do contrário a inflamação pode tornar-se crônica e de difícil tratamento. Dentre os diagnósticos mais comuns que causam dor na face lateral da coxa, a dor proveniente de raízes da coluna lombar sob compressão de um disco intervertebral por exemplo, inflamação dos tendões por efeito colateral de medicamentos, a infecção, a Síndrome do Piriforme, a tendinite calcárea, doenças do sacro-coccix, lesões tendinosas dos tendões glúteos, a artrose do quadril e metástases de tumores dentre outras.

Bursa trocantérica e grande trocanter

Figura 3 – Clique para ampliar

A bursite trocantérica é um diagnóstico clínico (ou seja, a história clínica e o exame físico por si sós são capazes de fornecer a impressão diagnóstica) onde os pacientes queixam-se de dor lateral do quadril sobre o trocanter maior (Figura 3) e muitas vezes na abertura da coxa e no fechamento da coxa em graus máximos. Essa dor irradia-se frequentemente para a toda a face lateral da coxa, o que leva-nos a muitas vezes a confusão diagnóstica, pois dores provenientes da coluna lombar podem apresentar-se exatamente da mesma forma. Um outra queixa freqüente é a dor quando deita-se de lado, que piora ao ficar-se muito tempo em pé, ao subir e descer escadas, ao caminhar ou ao correr. (1) Já faz mais de uma década que temos observado esses outros aspectos causando dor na região da bursa podem ocorrer, e hoje em dia, ao invés de chamarmos tudo de bursite trocantérica o melhor é chamar o conjunto dessas doenças que podem provocar dor na região trocantérica de Síndrome da dor trocantérica em inglês, GTPS ou Greater Trochanteric Pain Syndrome. (2,3,4)
Sendo assim, a Síndrome Dolorosa Trocantérica é mais comum em mulheres e atletas, com pico de incidência entre a 4º e a 6º década da vida e como já foi mencionado, acomete o sexo feminino numa proporção de 4:1.
Outros fatores de risco são a discrepância de comprimento dos membros inferiores, paciente com pelve larga e/ou trocanter proeminente, o que explica a incidência maior em pacientes do sexo feminino, gente que faz atividade física em planos inclinados, como correr na beira de uma estrada, onde para escoar a água as bordas apresentam desnível, além de estar associado a queixa de dor lombar em 35% dos casos e a artrite reumatóide, uma doença inflamatória em 15% dos casos. (5,6,7)
Quanto ao tratamento, a maioria responde ao tratamento somente sintomático, como mudança nos hábitos de exercício físico, compensação de discrepâncias de comprimento dos membros inferiores, gelo, repouso, outras medidas preventivas, como troca de colchões duros, adequação do treino de corrida e tratamento das condições associadas, como a artrite reumatóide e da artrose, se porventura co-existirem.(8) Aqueles com dor que não melhoram com esse tipo de tratamento podem ser submetidos à injeção local (infiltração) de corticóides na bursa, com resultados variáveis, entre 60 e 100% de melhora (9,10,11,12,13,14, 15)
Diante disso e ao saber que alguns poucos pacientes não respondem a nenhum tratamento e sofrem bastante por sua condição dolorosa, fizeram-nos procurar outras causas para a dor. Na articulação do ombro, ainda há mais tempo sabe-se que uma “simples bursite” não existe. Muitas lesões tendinosas do ombro, que provocam dores altamente significantes passaram décadas negligenciadas sob o estigma de “bursite”.

Diagram of coronal view of muscle attachments and bursae around greater trochanter shows relationship of regional bursae to gluteus medius and minimus

Figura 4 – Clique para ampliar

No quadril não é diferente, e assim como no ombro, foi descrito o “manguito rotador” do quadril, um conjunto de tendões que se inserem no fêmur da região do quadril. Esses são os tendões dos músculos glúteos e o tendão do músculo piriforme. (16, 17, 18, 19). (Figura 4) Trabalhos passam então a ser publicados sobre o assunto e então pode-se conhecer melhor as afecções que alteram os tendões descritos e os tipos de lesão que podem acometê-los. (Figura 5)

 

 

 

 

Figura 5 – Clique para ampliar

Da publicação de trabalhos sobre as lesões até o tratamento foi um pequeno passo e então passou-se a concentrar sobre quais seriam os fatores causadores das rupturas tendinosas no quadril, dentre elas o uso de esteróides anabolizantes, a condro-calcinose, o diabetes, a gota, o hiperparatireoidismo, a dor mio-fascial, a obesidade, a doença de Paget, a artrite reumatóide e o lúpus eritematoso sistêmico e o traumatismo direto. Embora você não entenda nada desses nomes, já pode perceber o quanto se evoluiu em termos de diagnóstico das simples “bursites”.

Signs and symptoms of chronic pain

Figura 6 – Clique para ampliar

Iniciou-se então o estudo da anatomia dos tendões glúteos e de suas características em termos de inserção no osso do trocanter e depois disso passou-se a atuar cirurgicamente nos casos de ruptura tendinosa diagnosticada. Já existem publicações a respeito do sucesso técnico em se reinserir o tendão afetado por técnica minimamente invasiva vídeo-endoscópica, porém como o assunto ainda é relativamente recente maior tempo de acompanhamento desses pacientes se faz necessário. (20) Além de toda essa discussão a respeito de um tema que parecia tão simples de ser abordado, vale lembrar que em casos de dor crônica, onde quer que ela se manifeste, o tratamento deve abordar múltiplas variáveis, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. (Figura 6)

 

Figura 7 – Clique para ampliar

Por isso, a melhor lição que se pode tirar de tudo isso, já que muitas vezes nos impressionamos com as imagens das ressonâncias magnéticas trazidas por pacientes com dor crônica no consultório é que se deve tratar o paciente, não a imagem. (Figura 7)

 

 

 

Referências:

1. Ege Ramunsen KJ, Fano N. Sacand J Reumatol 1985; 14:417-20
2. Collee G, et al. Greter Trochanteric Pain Syndrome (trochanteric bursitis). Scand J Reumatholog 1991, 20(4):262-6.
3. American Academy of Orthopaedic Surgeons. Hip pain may be torn tendon, not bursitis. Acad News 1997;January 15;C:42.
4. Trochanteric bursitis: refuting the myth of inflammation. Silva, F et al. J Clin Reumath 2008; 14(2): 82-6
5. Shbeeb MI, Matteson EL. Mayo Clin Proc 1996, 71(6):565-569.
6. Raman D, Hasloc I. Ann Reumath Dis 1982; 41:602-3
7. Collee G, et al. Br J Reumathol 1990; 29:354-7
8. Clavaguera MT, Valis-Garcia, R. JCR. 2006 12(4):S84-5
9. Little H. CMA Journal 1979, 120:456-8
10. Ege Ramunsen KJ, Fano N. Sacand J Reumatol 1985; 14:417-20
11. Collee G, et al. Br J Reumathol 1990; 29:354-7
12. Shbeeb MI, Matteson EL. Mayo Clin Proc 1996; 71(6):565-569.
13. Cohen SP. Br J Anaesth 2004; 94(1);100-6
14. Livense A, et al. Br J Gen Pract 2005;55(512):199-204
15. Clavaguera MT, Valis-Garcia, R. JCR 2006; 12(4):S84-5
16. Bunker TD, Esler CNA, Leach WJ. Rotator-cuff tear of the hip. J Bone Joint Surg [Br] 1997;79-B:618-20.
17. Kumagai M. Functional evaluation of hip abductor muscles with use of magnetic resonance imagig. J Orth Res 1997; 15:888-93.
18. Kagan A. Five cases of disruptions of the abductor mechanism of the hip. Orthop Trans 1996;20:329.
19. Kagan A. Rotator cuff tears of the hip. Fl. Orthopaedic Soc J 1996;14:14.
20. Voos JE et.al. Arthroscopy. 2007 Nov;23(11):1246.e1-5.

 

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